Pelo fim da tarde o mar tornou-se fervilheiro, como de maré viva. O sargaço começou a sair, abundante, à beirada. As mulheres acorreram logo, em rebanho, casacos de oleado, marcados a letras vermelhas, como gado. Mas sozinhas não lhe dariam vazão. Havia trabalho para toda a aldeia, que veio em peso. Para cima de trezentas pessoas se entregaram àquela faina de lusco-fusco. Os homens, calças arregaçadas, estão na primeira linha de arremetida, de graveta em punho, seguidos pela dos ganha-pão das mulheres, em chusma, como gaivotas em cima de pilado. Recebem a onda de frente, à altura do peito, depois fincam os sacos de rede para receberem o refluxo e encaminharem com as mãos os rabeiros fugidios. Os saiotes molhados colam-se-lhes às pernas, a cada vergastada de onda, que lhes desfaz os puxos e lhes deixa a cobra do cabelo solta, pelas costas abaixo.
Cantam:
Ó Manuel, cara linda,
não saias de noite à rua...
E a voz da Maria das Neves eleva-se acima das outras:
Que as estrelas têm inveja
duma cara como a tua.
Os mais pequenos rebuscam tudo o que cai, para que o mar não volte a levá-lo. A Ilda, apesar de tamaninha, não deve meças aos irmãos e quando segura algumas fitas: "Olhe-mãe! Olhe-mãe!"
- Deus te salve e acrescente, te faça mulher dura e valente!
Os montes castanhos avolumam-se e crescem. Nove da noite. Passou a hora da ceia. Mas ninguém arreda, só as crianças barregam de fome e de frio, ao pé dos barcos. A nortada torna-se janeirosa. O despenhar da onda espedaça as vozes e os gritos:
- Eh! mar! Ala pra riba, olhaide o rexio! Fugide, almas danadas!
Os primeiros largam a beirada para estender o sargaço que se agita nas gravetas, apressadas, em estertor de peixe no anzol. A maior parte da colheita, porém, terá de ficar a monte. A noite desce e come as cores à centopeia, ondulante, de muitas patas, dos que não retiraram ainda. A abóbada, ensombrecida, começa a furar-se de pontos lucilantes. Pela costa do sul arrastam-se corpos, penosamente, carregados. A Fé, com a sua perna, cota, seguida pela bandada dos filhos, some-se debaixo do ganha-pão, que a corcova e a obriga a rastejar.
(Luísa Dacosta, A-Ver-O-Mar, Edições Asa, pp. 51 / 52)
Cantam:
Ó Manuel, cara linda,
não saias de noite à rua...
E a voz da Maria das Neves eleva-se acima das outras:
Que as estrelas têm inveja
duma cara como a tua.
Os mais pequenos rebuscam tudo o que cai, para que o mar não volte a levá-lo. A Ilda, apesar de tamaninha, não deve meças aos irmãos e quando segura algumas fitas: "Olhe-mãe! Olhe-mãe!"
- Deus te salve e acrescente, te faça mulher dura e valente!
Os montes castanhos avolumam-se e crescem. Nove da noite. Passou a hora da ceia. Mas ninguém arreda, só as crianças barregam de fome e de frio, ao pé dos barcos. A nortada torna-se janeirosa. O despenhar da onda espedaça as vozes e os gritos:
- Eh! mar! Ala pra riba, olhaide o rexio! Fugide, almas danadas!
Os primeiros largam a beirada para estender o sargaço que se agita nas gravetas, apressadas, em estertor de peixe no anzol. A maior parte da colheita, porém, terá de ficar a monte. A noite desce e come as cores à centopeia, ondulante, de muitas patas, dos que não retiraram ainda. A abóbada, ensombrecida, começa a furar-se de pontos lucilantes. Pela costa do sul arrastam-se corpos, penosamente, carregados. A Fé, com a sua perna, cota, seguida pela bandada dos filhos, some-se debaixo do ganha-pão, que a corcova e a obriga a rastejar.
(Luísa Dacosta, A-Ver-O-Mar, Edições Asa, pp. 51 / 52)
Os Sargaceiros eram pessoas do povo que trabalhavam na apanha do sargaço ou "argaço" nas praias. Não havia horas para esta tarefa. Desde que o mar o permitisse, o sargaceiro metia-se na água, de noite ou de dia.
Alguns trabalhavam exclusivamente na apanha, sendo este o seu meio de sustento, outros apanhavam e usavam o sargaço para adubarem os seus próprios campos uma vez que este constituía um fertilizante muito rico.
Os melhores meses para a apanha do sargaço são os meses de Verão aquando da maré baixa; com o auxílio de alguns instrumentos, entre os quais: a graveta (feita de madeira e servia para apanhar e estender o sargaço), o ganhapão (servia para apanhar e acartar o sargaço), a gancha (servia para apanhar o sargaço que estava mais longe), e o cortiço (servia para apanhar o sargaço que boiava na água).
Se o sargaceiro fosse uma pessoa com algumas posses económicas usava o burro no transporte do sargaço da praia; caso contrário, usava cestas ou, mais frequentemente, o ganha-pão sobre o ombro, cheio de algas molhadas - o que lhe conferia mais peso - até ao cimo do areal.
Apanhado o sargaço, era hora de o colocar a secar. Depois de seco "empadelava-se" o sargaço e transportava-se para a berma da estrada e aí formavam-se os montes de sargaço. Sendo posteriormente, vendido, maioritariamente, a pessoas também do povo para adubarem os seus campos. Algum sargaço, ao que os antigos dão o nome de "francelha", visto ser mais fininho e ter uma espécie de folho nas laterais, era vendido para fábricas com a finalidade de servir para fazer roupas ou tinturas.
Antigamente, a apanha do sargaço era uma atividade muito importante porque permitia que as terras produzissem mais.
Esta prática tem perdido adeptos e só esporadicamente se veem pessoas mais antigas a realizá-la.
(Turma 6ºA)
Alguns trabalhavam exclusivamente na apanha, sendo este o seu meio de sustento, outros apanhavam e usavam o sargaço para adubarem os seus próprios campos uma vez que este constituía um fertilizante muito rico.
Os melhores meses para a apanha do sargaço são os meses de Verão aquando da maré baixa; com o auxílio de alguns instrumentos, entre os quais: a graveta (feita de madeira e servia para apanhar e estender o sargaço), o ganhapão (servia para apanhar e acartar o sargaço), a gancha (servia para apanhar o sargaço que estava mais longe), e o cortiço (servia para apanhar o sargaço que boiava na água).
Se o sargaceiro fosse uma pessoa com algumas posses económicas usava o burro no transporte do sargaço da praia; caso contrário, usava cestas ou, mais frequentemente, o ganha-pão sobre o ombro, cheio de algas molhadas - o que lhe conferia mais peso - até ao cimo do areal.
Apanhado o sargaço, era hora de o colocar a secar. Depois de seco "empadelava-se" o sargaço e transportava-se para a berma da estrada e aí formavam-se os montes de sargaço. Sendo posteriormente, vendido, maioritariamente, a pessoas também do povo para adubarem os seus campos. Algum sargaço, ao que os antigos dão o nome de "francelha", visto ser mais fininho e ter uma espécie de folho nas laterais, era vendido para fábricas com a finalidade de servir para fazer roupas ou tinturas.
Antigamente, a apanha do sargaço era uma atividade muito importante porque permitia que as terras produzissem mais.
Esta prática tem perdido adeptos e só esporadicamente se veem pessoas mais antigas a realizá-la.
(Turma 6ºA)
POEMA DOS SARGACEIROS
O mar é lindo brinquedo
Na montra areosa da praia... Há calor, há luz, há névoa E linda a fita do infinito, lá no fundo... Os sargaceiros possantes são bébés A brincar, a brincar no mar... No mar que é lindo brinquedo! E os bébés - homens, mulheres De pernas musculosas ao vento Tiram do seu brinquedo fitas de sargaço. Os sargaceiros são bébés e são poetas... Bébés pelo enlevo pelo mar. Poetas pelo mundo de beleza que constroem E o mar é um brinquedo a rir, a namorá-los... As fitas de sargaço têm desenhos exóticos O sol grande bola vermelha quedo e forte Tosta-lhes o corpo e inebria-lhes a alma... E o mar? O mar abre as suas entranhas Oh, Deus! Como és grande, como és bom, como és único! Só tu serias capaz de criar este paralelo terra-mar. |
A viagem do sargaço é grande...
Vem das entranhas do mar para as entranhas da terra. A terra há-de fecundar E há-de dar pão e há-de dar rosas. Além um sargaceiro curvado a juntar o sargaço O mar está bravo, está mau. É um brinquedo zangado É um brinquedo que foge, Qual menino em busca dum balão Assim corre o sargaceiro Dali é que vem o pão Vem da terra, vem do mar? Vem do mar, vem da terra? Eu não sei, ninguém sabe Sei que o sargaceiro luta, luta, Mas ama a sua luta... F. Soares Gonçalves (Poema escrito expressamente a convite do escritor e realizador de cinema Gentil Gomes e destinado a argumento de documentário a filmas em Aver-O-Mar, na série "A Poesia e o Trabalho" para a junta de Acção Social.) |